“Antigamente a terra sentia um grande vazio. Ela esperava, esperava ser povoada. Esperava que alguém a amasse...”(Encantadora de Baleias). A espera de ser povoada chegou ao fim com o surgimento do Homem. No entanto, a terra continua esperando o momento de ser amada.
A falta de cuidado, tratada por Boff, reflete a ignorância humana em sua expressão mais desprezível, ou seja, o descaso. Seja o descaso para com a coisa pública, ou o descaso pelo destino dos pobres e marginalizados pela sociedade, ou o abandono da sociabilidade nas cidades e na forma de se organizar a habitação, ou ainda o descuido e descaso pela espiritualidade do ser humano. Este descaso generalizado gera o mal estar em que a sociedade moderna se encontra afogada.
A ganância humana batizada de corrupção transformou-se em uma realidade insofismável, a qual atinge como um estilhaço de uma bala, os corações mais humildes, abalados pela desigualdade social. Entretanto, o alvo certeiro desta bala é o próprio planeta terra, que se estabelece como secundário entre as prioridades humanas.
Esta realidade é muito bem tratada no filme Syriana, e presumida nos textos de José Carlos Carvalho, Fernando Gabeira e Renato Nalini, assim como, no filme do ex-próximo presidente americano Al Gore (Uma verdade inconveniente).
Com relação ao primeiro, vale recitar algumas frases ditas no filme que retratam bem esta degradação do ser humano: “O capitalismo não existe sem desperdício. Deveríamos agradecer ao Sr. Whiting e aos EUA por produzirem 25% do lixo mundial e 25% da demanda.”, “A corrupção é a nossa proteção. A corrupção permite que tenhamos um lucro fabuloso em vez de lutar por restos de carne nas ruas”.
A busca pelo lucro e por tudo que for economicamente mais viável, contrapõem-se à conservação do meio ambiente, a medida em que prevalece como objetivo fundamental na mente de seus idealizadores em um eventual conflito de interesses entre o econômico e o ambiental. Valendo-se dos meios mais sujos para o alcance deste desiderato, que vão desde subornos até homicídios, estes sultões da ganância contribuem cada vez mais para a degradação do planeta terra e de todos os que nele vivem.
Estes interesses econômicos são capazes de influenciar todas as esferas de poder de um país (executivo, legislativo e judiciário), de maneira a afastar os sintomas da degeneração terrestre das pautas em discussão. Contudo, esta influência não se basta tão somente aos governantes. Os próprios cidadãos são contaminados por este mal e aprendem a conviver “harmoniosamente” com ele. Como bem mostra uma das cenas finais do filme Syriana, em que o advogado corrompido volta a sua vida cotidiana sem qualquer demonstração de peso na consciência pelas atrocidades que ajudou a esconder.
Outro exemplo é o do Congresso Norte-Americano, que preferiu ignorar as notícias dadas por Al Gore, já que concordar com estas implicaria em uma imposição moral de fazer mudanças que pesariam contra o Petróleo e a economia americana.
Estamos diante de uma colisão de enormes proporções entre o planeta terra e a civilização humana. Segundo Al Gore, esta colisão se dá por três fatores, os quais são:
a) O crescimento populacional do mundo, que de 2 bilhões de pessoas em 1945 irá passar para 9,1 bilhões em 2050, se seguirmos o atual ritmo de natalidade. Este fator gera o esgotamento dos recursos naturais, a medida em que a demanda aumenta conforme o crescimento do número da população.
b) A revolução científica e tecnológica, principalmente no tocante as guerras. É a junção de velhos hábitos com tecnologias novas, o que se torna extremamente prejudicial à sobrevivência do planeta terra. Esta questão é tratada por Boff brilhantemente da seguinte maneira:
O ser humano moderno criou um “complexo de Deus”. Comportou-se como se fora Deus. Através do projeto da tecnociência pensou que tudo podia, que não haveria limites à sua pretensão de tudo conhecer, de tudo dominar e de tudo projetar. Essa pretensão colocou exigências exorbitantes a si mesmo. Ele não agüenta mais tanto desenvolvimento que já mostra seu componente destrutivo ao ameaçar o destino comum da Terra e de seus habitantes. Irrompeu nele “o complexo de Deus” que o acabrunha.
c) A maneira de pensar da pessoas. Trata-se aqui do descuido tratado por Boff.
Outrossim, a junção destes três fatores desaguou nas conseqüências ambientais que presenciamos hoje, as quais colocaram em voga a questão da sobrevivência da espécie humana e do planeta terra.
“A era da protelação, das meias medidas, das ações a curto prazo, dos adiamentos, está terminando. Em seu lugar estamos entrando no período das conseqüências.” (Sir Winston Churchill. 12 de Novembro de 1936 – Uma verdade inconveniente).
Dentre as conseqüências ambientais que presenciamos hoje, destaca-se a relação entre o aumento da temperatura média mundial e a emissão do CO2, que se tornou a maior concentração já vista em 650.000 anos. Esta concentração dá origem ao aquecimento global que provoca diversos efeitos no meio ambiente, como o descongelamento das geleiras, o aumento do número de furacões, tufões (no Japão houveram 10 tufões em 2004) e outros desastres naturais.
Neste viés, a necessidade de se frear este aquecimento global se mostra vital e essencial para a continuação da espécie humana.
O irônico nisto tudo, é que as pessoas poluem sem pesares e quando se deparam com a conseqüência de seus atos sentem-se vitimas. Quem é realmente a vítima?
Há um consenso entre os diversos textos recomendados e os filmes: O futuro do planeta terra não é uma questão meramente política, mas sim, moral!
Sendo assim, a solução para esta problemática se encontra na mudança do pensamento humano. Na mudança do paradigma civilizatório que prega o comodismo, o descaso, o lucro, o consumo e o individualismo acima do coletivo.
O novo paradigma civilizatório surge com uma nova ética proveniente de uma nova ótica, em contra-senso ao realismo materialista, baseando-se no re-encantamento pela natureza, na espiritualidade aflorada e na preocupação com o próximo. Ética esta refletida no crescimento dos grupos que cultivam a ecologia, no aumento no numero de ONGS e projetos sociais, no planejamento da AGENDA 21 ou ainda, na própria política, a exemplo da brasileira, que instituiu com a criação da constituição de 1988 uma preocupação extrema com o meio ambiente, expressada por meio da criação de diversos órgãos responsáveis pelo meio ambiente, assim como, de uma legislação rigorosa e ampla para a proteção da natureza, que dispõe de inúmeras ferramentas de prevenção, punição e desenvolvimento sustentável.
No entanto, por mais diversas e úteis que sejam as ferramentas institucionais e legislativas a disposição do meio ambiente, é preciso que haja agentes transformadores desta realidade, ou seja, pessoas dispostas a mudar esta situação exercendo a cidadania e o respeito a tudo que existe. As pessoas precisam se importar mais com o meio ambiente, pois “cometer erros no passado geravam conseqüências que poderíamos agüentar, agora não temos mais este luxo”.
A metáfora de Paikea[1] deve nos servir de norte, nos lembrando que devemos dar continuidade ao mundo, mesmo achando que estamos perdidos e desanimados, é preciso amar a terra. Pois cada um de nós foi o veneno que a envenenou, cada um de nós é a causa do aquecimento global, ao mesmo tempo, em que somos a única solução.
Isso é uma questão moral!
[1] Vale destacar o fundamentalismo presente na tradição do povoado retratado pelo filme Encantadora de Baleias, onde a tradição e o preconceito contra a mulher predominavam sobre o amor. Preconceito este, que só foi superado com a luta pela sobrevivência do povoado. Questão semelhante a passada no planeta terra, onde só a superação dos preconceitos e da atual maneira de se pensar o mundo, pode salvar a terra.
2 comentários:
Parabéns pelo texto. Concordo plenamente que a humanidade precisa de uma mudança de mentalidade e atitude na interação com o ambiente. Estarei acompanhando seu blog.
Mto obrigado Simone! Sem duvida, e e creio que essa mudança deve vir pela educação, de maneira planejada, uma vez que a mentalidade dos que detem o poder hoje ainda é corrompida pela imoralidade.
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